Ele dedicou sua vida a preservar as tradições da capoeira criada pelos escravizados. Conheça a história do Mestre Pastinha.
Como vimos aqui, a capoeira foi legalizada no Brasil nos anos 1930, muito graças aos esforços de Mestre Bimba, criador da “luta regional baiana”, uma capoeira mais parecida com as artes marciais tradicionais, com regramento, método de ensino etc. Esse drible na repressão permitiu que ele abrisse a primeira academia legal de capoeira do Brasil, em Salvador.
Se Mestre Bimba inaugurou a primeira, Mestre Pastinha abriu a segunda. E elas não podiam ser mais diferentes.
Nascido em 5 de abril de 1889, em Salvador, Vicente Ferreira Pastinha conheceu a capoeira ainda na infância. Menino franzino, sofria com o bullying (que, naturalmente, ainda não tinha esse nome) praticado por um garoto mais forte, com todo tipo de assédio e surras constantes. Até o dia em que “um velho africano” testemunhou um desses abusos e se ofereceu para ensinar capoeira ao pequeno, para que ele pudesse se defender.
Meses de treinamento mais tarde, o jovem Pastinha, uma vez mais, se viu diante de seu algoz. O menino grande ignorou os dois avisos para que parasse de “passar a mão”, antes de ser derrubado com um chute no peito. Atônito e ofegante, o ex-valentão correu para os braços da mãe para nunca mais perturbar Pastinha, tornando-se até seu amigo por respeito e admiração.
Depois de ser o autêntico Capoeira Kid, Pastinha cresceu absorvendo os movimentos, ritmos e a filosofia por trás da dança/luta. Ele se destacou não apenas por suas habilidades físicas impressionantes, mas também por sua compreensão profunda da tradição e da cultura que envolvem a capoeira de Angola. Toda essa dedicação o ergueu ao patamar de Mestre, ensinando capoeira mesmo na ilegalidade.
Notório tradicionalista, Mestre Pastinha não gostou nada da novidade de luta regional baiana, mantendo uma postura firme na defesa da autenticidade da capoeira, resistindo às influências modernas que, para ele, ameaçavam descaracterizar a prática. Por isso, fundou o Centro Esportivo Capoeira de Angola (CECA), voltado a ensinar uma capoeira de movimentos mais lento, com ênfase na furtividade e executados de modo rasteiro, exatamente como era praticada pelos escravizados. Era quase como uma resposta direta à esportivização trazida pela nova modalidade.
Sua ideia de manter viva a ancestralidade da capoeira envolvia outro ponto fundamental: a formação de discípulos. Mestre Pastinha tornou-se a principal referência da capoeira de Angola por elaborar um padrão para ensiná-la e passar esse ensinamento adiante, formando novos mestres para tornar a prática perene através das gerações.
Mesmo com toda sua importância para uma das expressões culturais mais fundamentalmente brasileiras, Mestre Pastinha morreu, em 1981, aos 92 anos, sem receber o devido reconhecimento. Em anos mais recentes, tem havido todo um esforço para dar visibilidade à sua memória. Hoje, é reverenciado não apenas como mestre de capoeira, mas como filósofo popular, guardião da cultura afro-brasileira e símbolo de resistência, cujo legado pode ser testemunhando em toda pessoa que pratica e valoriza a rica herança da capoeira de Angola.
"Tudo o que eu penso da capoeira, um dia escrevi naquele quadro que está na porta da academia. Em cima, só estas três palavras: Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento: mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista." - Mestre Pastinha
Capoeira no Vale da Gente
A capoeira de Angola e a regional são duas faces de uma das moedas mais valiosas do Brasil, de um traço cultural, musical e desportivo que desafia definições precisas. Aqui, no Novo Anhangabaú, a capoeira tem espaço garantido todas as semanas, além de um grande evento mensal que reúne capoeiristas de toda a cidade.
Capoeira
Segundas-feiras
21h
Espaço Livre
Encontro de Capoeira
Primeira sexta-feira de cada mês
19h
Espaço Livre