O samba se mistura, se miscigena, se faz novo para seguir cabendo em todo lugarque se diga brasileiro.
Se existe algo mais brasileiro do que o samba, ninguém viu, está enterrado abaixo do pré-sal. Neste mês de março, a programação cultural do Novo Anhangabaú tem uma atividade inteiramente dedicada ao ritmo BR: o Workshop de Samba.
Pessoas de pouca fé se perguntarão se samba se aprende em oficina, sem levar em conta o que torna o samba uma coisa quase mágica: ele vai com tudo. No decorrer de anos de preconceito, perseguição (da policial à cultural) e tentativas de guetificação, nosso som-mór sempre soube se virar para se manter na vanguarda, circulando do bar da esquina à academia(tanto a de maromba quanto a de ciências) e garantindo seu lugar no coração do povo, como se isso fosse realmente necessário…
Pelo Telefone, composição de Donga e Mauro de Almeida, de 1916, é considerado o primeiro samba gravado no Brasil. Confira a versão de Martinho da VIla, de 1973:
Acompanhe um pouco da história do samba, de como ele se transformou sem deixar de ser o bom e velho sinônimo de festa:
Samba de raiz – é, nada mais, nada menos que a tradicional roda de samba, seja ela realizada na favela, no botequim ou no palco de um grande festival. Tem esse nome por remeter às origens do ritmo, das reuniões da população preta nos morros cariocas e nas casas das “tias baianas” que fizeram nascer o som do Brasil, no começo do século 20.
Adoniran Barbosa é o principal expoente do sambade raiz made in SP, destacando o linguajar do trabalhador paulistano. Ouça Samba do Arnesto, hit de 1953:
Samba-canção – no final dos 1920, o samba passa por sua primeira grande mutação. Também conhecido como “samba de meio de ano” (por não ser exatamente indicado para o Carnaval), o samba-canção é uma releitura do ritmo, caracterizada pelo compasso mais lento e as letras centradas nos temas amor, solidão e saudade (a popular “dor de cotovelo”). Viveu seu apogeu entre os anos 1940 e 1960, quando foi eclipsado pela Bossa Nova (que também pode ser samba, dependendo de pra quem você pergunta).
Tido como principal responsável pela apresentação do samba à classe média carioca, Noel Rosa também se aventurou pela modernização representada pelo samba-canção. O clássico da sofrência de época Pra QueMentir? teve inúmeras regravações. Esta aqui é a versão de Sílvio Caldas,de 1938:
Samba-exaltação – Aquarela do Brasil, do mineiro Ary Barroso fez nascer esse estilo de samba, em 1939. Inicialmente, era um som marcado pelo ufanismo, por um patriotismo muitas vezes confundido com patriotada (ainda bem que isso nunca mais aconteceu no Brasil, né?). Não demorou para o samba-exaltação ser ressignificado pelas Escolas de Samba do RJ, servindo como célula mater dos sambas-enredo. Nos dias de hoje, agremiações do país inteiro têm pelo menos um samba-exaltação da sua escola, tocado nos ensaios e no esquenta para o desfile de Carnaval.
Grande marco do samba-exaltação, Aquarela do Brasil ganhou o mundo em1942, na p̶r̶o̶p̶a̶g̶a̶n̶d̶a̶ ̶d̶e̶ ̶g̶u̶e̶r̶r̶a̶ ̶a̶m̶e̶r̶i̶c̶a̶n̶a̶ animação Alô Amigos dos Estúdios Disney. Não deixe de testemunhar esta versão de Ray Conniff:
Samba-jazz-rock-reggae… – atento ao que rola no mundo, o samba sempre buscou o hibridismo com sonoridades gringas, se renovando para o público brasileiro e tornando-se mais pop no palco internacional. Talvez o (graças ao deus de sua preferência) complexo caldo de cultura do Brasil seja o segredo da boa aceitação desse tipo de fusão que, quando acontece com outros ritmos e em outras partes do mundo, causa a revolta dos puristas contra os “hereges”.
O samba-jazz do Zimbo Trio representa o samba deterno e gravata brasileiro no mundo todo. Confira a faixa Samba:
Nos anos 1970, o samba-rock do Trio Mocotó bombou no Brasil, na Europa e no Japão. Os Orixás é um dos maiores sucessos da banda:
Em 1993, a lenda do reggae Jimmy Cliff gravou o álbum Samba Reggae, inteiramente dedicado a essa fusão magnífica. Aqui, você encontra o puro suco do samba-reggae: a versão de Woman No Cry por Cliff e Olodum:
Pagode –o termo “pagode” acompanha o samba desde suas origens. Inicialmente, era o nome dado às festas realizadas nas senzalas e quilombos. O pagode como sub-gênero do samba surge nos anos 1970, a partir de festas suburbanas de “fundo de quintal” no Rio de Janeiro, chamadas, não por acaso, de pagodes. Nos anos 1980, músicos saídos dessas reuniões apresentaram ao país esse samba acelerado, marcado pelo tom festivo que logo ganhou o público. Na década seguinte, o pagode ganha um verniz pop, com instrumentos eletrônicos (até então desconhecidos do samba) e letras românticas. Comercialmente falando, foi o auge desse “filho do samba”.
Beth Carvalho é um dos maiores nomes do samba brasileiro e madrinha do pagode “raiz” do final da década de 1970. Em 1979, lançou o álbum No Pagode, que abria com o clássico instantâneo Coisinha do Pai:
Contando com “você reclama do meu apogeu”, um dos versos mais enigmáticos do nosso cancioneiro popular, Temporal, do grupo Art Popular, é um grande sucesso do pagode pasteurizado dos anos 1990:
Agora que já não resta a menor sombra de dúvida que o nosso samba vai com oficina, patins, orquestra, big band, guitarra distorcida e o que mais der na telha dos criadores, confira o grande destaque sambístico da programação do Novo Anhangabaú em março:
SÁBADO SP
Workshopde Samba
Espaço Livre
15h