O Novo Anhangabaú se consolidou como um palco constante da cena eletrônica nacional e internacional, com shows, festivais e festas com grandes nomes dessa sonoridade. Celebrando essa fusão, contaremos a história da música eletrônica. E olha, ela é mais longa do que você pode imaginar…
Por estar sempre se reinventando, sempre na vanguarda sonora, não é difícil imaginar que a música eletrônica é um fenômeno moderno. Quando, na verdade, ela já está por aí há, pelo menos, 120 anos! Sim, “pelo menos”, pois há quem considere o primeiro instrumento eletrônico uma criação do século XVIII.
O instrumento em questão é o Denis D'or (Dionísio Dourado), um teclado criado pelo teólogo tcheco e pioneiro da pesquisa elétrica Václav Prokop Diviš em 1730(!). Descrito como uma “orquestração”, devido à sua capacidade de imitar os sons de instrumentos de sopro e de cordas, muitos o entendem como o primeiro instrumento musical eletrônico. Porém, não há documentação histórica detalhada e os relatos da época são conflitantes, tornando essa afirmação um tanto incerta.
Outro ponto contra o Denis D'or é que talvez ele nem seja exatamente um instrumento musical. Apesar de emitir sons, o invento também tinha uma função que permitia ao criador dar um choque em quem estivesse “tocando” o instrumento durante as apresentações, o que faz com que muitos especialistas o entendam como uma pegadinha de palco, algo muito popular nas cortes europeias do século XVIII.
Apesar dos diversos protótipos surgidos nesse século e no seguinte, o instrumento mais comumente aceito como o pioneiro da sonoridade eletrônica é o theremin, inventado em 1928 pelo russo Léon Theremin. O instrumento é controlado por movimentos de mãos perto de duas antenas de metal, sem contato físico com o equipamento. Seus sons trêmulos e intensos foram usados em trilhas de filmes de terror psicológico e, mesmo sendo lá muito comum, o Theremin é usado até os dias de hoje, com destaque para o multi instrumentista francês Mezerg:
No Brasil, o theremin fez sucesso na música Eu, do Pato Fu:
Nos anos 1940, com o avanço tecnológico forçado trazido pela Segunda Guerra Mundial, surgiram dois movimentos fundamentais para a música eletrônica:a música concreta francesa e a Elektronische Musik alemã.
A música concreta, iniciada pelo engenheiro eletrônico Pierre Schaeffer, explora sons do mundo real como matéria-prima. Ruídos urbanos, sons da natureza e até gravações de instrumentos eram capturados e manipulados com técnicas como corte, montagem e alteração de velocidade, utilizando gravadores e fitas magnéticas. Essa abordagem abriu caminho para a música eletrônica ao introduzir métodos de manipulação sonora que, mais tarde, seriam usados em sintetizadores, samplers e sequenciadores.
Desenvolvida a partir dos anos 1950 em Colônia, a Elektronische Musik focava na criação de sons inteiramente eletrônicos. Utilizando osciladores, moduladores e filtros, os compositores geravam timbres sintéticos inéditos. Ao contrário da música concreta, a Elektronische Musik buscava abstração, criando estruturas sonoras que refletiam a precisão da matemática e da ciência. Esse método rigoroso contribuiu diretamente para a evolução da síntese sonora, fundamento básico da música eletrônica contemporânea.
Na década de 1950, fabricantes japoneses de instrumentos eletrônicos como AceTone, Korg, Roland e Yamaha começaram a influenciar a indústria musical global com inovações como a primeira versão da bateria eletrônica, o órgão elétrico e o revolucionário sintetizador.
Os sintetizadores e baterias eletrônicas da Roland se tornaram especialmente impactantes, moldando a música eletrônica e popular por décadas. A Matsushita (atual Panasonic) revolucionou a cultura DJ ao criar os toca-discos de tração direta, incluindo o icônico Technics SL-1200, figura central no hip-hop e no turntablism.
Na década seguinte, músicos de pop e rock, como os Beach Boys e os Beatles, começaram a incorporar instrumentos eletrônicos, como o theremin e o mellotron, nos seus arranjos. Tomorrow Never Knows (1966), do quarteto de Liverpool, é reconhecida como um marco da sonoridade eletrônica por usar loops e manipulações sonoras inovadoras, inaugurando uma nova era na integração da música eletrônica ao mainstream. O sintetizador Moog também começou a ganhar destaque, sendo utilizado por bandas como The Doors e Monkees, e chegou às manchetes com Switched-On Bach (1968), de Wendy Carlos, que reimaginou Bach com sons eletrônicos, conquistando sucesso de público e crítica.
Nos anos 1970, o Moog e outros sintetizadores passaram a definir o som de bandas de rock progressivo como Pink Floyd, Yes e Emerson, Lake & Palmer. Na Europa, o krautrock de grupos como Kraftwerk e Tangerine Dream combinava rock experimental com sintetizadores, influenciando profundamente o desenvolvimento da música eletrônica. Paralelamente, o dub jamaicano, liderado por King Tubby, introduziu técnicas como remix, eco e manipulação sonora, que, mais tarde, moldariam gêneros como o hip-hop e o ambient.
Mas foi na década de 1980 que a música eletrônica atingiu seu auge, com o synth-pop simplesmente dominando por completo a música pop global, com bandas como Depeche Mode, Human League e Duran Duran combinando sintetizadores com estéticas futuristas. Artistas como Prince e Madonna ajudaram a popularizar ainda mais os sintetizadores no mainstream, adaptando-os a estilos como funk e dance-pop. A acessibilidade crescente de equipamentos eletrônicos, graças a avanços tecnológicos e à padronização do MIDI (Interface Digital para Instrumentos Musicais), facilitou a criação de sons inovadores. Isso democratizou a produção musical, permitindo que artistas independentes participassem da explosão criativa.
Embora o synth-pop tenha começado a perder força no final dos anos 1980 com o surgimento de outros estilos, como o indie rock e o grunge, seu legado permaneceu. O gênero não apenas moldou a estética sonora da década, mas também lançou as bases para movimentos subsequentes de música eletrônica, como o techno, house e electropop, que se desenvolveram nas décadas seguintes, estilos que você confere na segunda parte deste artigo…