O Vale da Gente tem muita história pra contar. Conheça um pouco da longa,complexa e exuberante trajetória do Anhangabaú.
1. O nome – Anhangabaú vem do tupi e significa rio ou água do Anhangá.
2. Anhangá – na mitologia Tupi Guarani, o Anhangá é um espírito poderoso,protetor da mata, dos rios e dos animais. Com uma predileção especial por punir caçadores, ele costuma aparecer para os mortais como um veado branco majestoso,de olhos vermelhos flamejantes e chifres ameaçadores.
3. Ocupação – não há dados precisos sobre a ocupação do Vale do Anhangabaú pelos povos originais ou sobre como ele começou a ser explorado pelos invasores portugueses. Os primeiros registros históricos sobre a região datam de 1751 e demonstram a preocupação governamental com o Vale onde se chamava água de“nhagabaí".
4.Chácara – no início do século 19, toda a área do Vale do Anhangabaú era conhecida como a “Chácara do Chá”, uma grande plantação de… bem… chá, de propriedade do…
5. Barão de Itapetininga – Joaquim José dos Santos Silva, primeiro e único Barão de Itapetininga, foi um grande latifundiário paulista. Sua Chácara do Chá mostrou-se um tremendo entrave para os moradores do centro de São Paulo. Para circular pela região, era necessário contornar a enorme propriedade do barão.Isso só mudou em 1855 com a criação da…
6. Rua Formosa – a Câmara Municipal de São Paulo pressionou o nobre do chá aceder um pedaço de suas terras, que acabou por se transformar na Rua Formosa, a primeira via do Vale do Anhangabaú. Passado algum tempo, o presidente da província solicitou nova cessão de parte da propriedade do barão, que topou entregar mais um pouquinho de seu terreno, mediante uma condição…
7. Rua Barão de Itapetininga – a nova rua a ser aberta deveria ser batizada em sua homenagem. E assim foi. Surgia a Rua Barão de Itapetininga.
8. João Teodoro – foi presidente da província de São Paulo entre 21 de dezembro de 1872 e 29 de maio de 1875. Responsável pelas obras desenvolvimentistas que ficariam conhecidas como "segunda fundação de São Paulo," Teodoro deu início à urbanização do Vale do Anhangabaú, visando expandir os limites da cidade. A obra mais importante deste período é o…
9. Viaduto do Chá – com a desapropriação de mais um trecho –este, bem grande – das terras do Barão de Itapetininga, foi inaugurado, em 1892, o Viaduto do Chá, assim nomeado por causa das plantas cultivadas na propriedade. Como o primeiro viaduto de SP, é considerado um ponto de virada na história do Vale e da cidade como um todo, um marco na expansão daquela que viria a ser a maior metrópole da América Latina.
10. As águas represadas – no fim do século 19, o Rio Anhangabaú era poluído,mau cheiroso e foco de doenças, o destino trágico dos rios urbanos. Por isso, em 1904, foi entregue a obra de canalização do rio, elaborada por engenheiros sanitários conhecidos como "higienistas". Desse momento em diante, as águas do rio seguem sob o Vale do Anhangabaú.
11. O parque – a década de 1910 começou com grandes transformações para o Vale do Anhangabaú. Em mais um esforço para urbanizar a região, os governantes promoveram uma grande arborização que fez nascer o Parque do Anhangabaú.
12. Theatro Municipal – já em 1911, foi inaugurada uma obra ainda mais grandiosa, que colocaria o Vale definitivamente no mapa da cidade, o Theatro Municipal de São Paulo. No dia de sua inauguração, 12 de setembro, foi registrado pela primeira vez um fenômeno que se tornaria cotidiano para os paulistanos…
13. O primeiro congestionamento – como não podia deixar de ser, a demolição de um monte de cortiços para a construção de um teatro em estilo europeu causou frisson na comunidade faria limer de época. Assim, dos 300 carros que, em 1911,existiam na cidade, 100 transportaram pessoas para assistir ao espetáculo inaugural – nada menos que Hamlet –, causando o primeiríssimo engarrafamento registrado em SP.
14. Monumento a Carlos Gomes – em 1922, foi entregue um conjunto de esculturas em homenagem ao compositor de óperas brasileiro, Carlos Gomes. As 12 esculturas, feitas em mármore, bronze e granito, são obra do escultor italiano Luigi Brizzolara. O monumento – presente da comunidade italiana de São Paulo pelo centenário da independência do Brasil – fica na praça em frente ao Theatro Municipal, chamada, à época, Esplanada do Theatro, mas que hoje conhecemos como…
15. Praça Ramos de Azevedo – em 1928, a Esplanada no Theatro é rebatizada de Praça Ramos de Azevedo, homenageando o arquiteto responsável pelo projeto do teatro.
16. Edifício Alexandre Mackenzie – concluído em 1926 para servir de sede da São Paulo Tramway, Light and Power Company, não demorou para virar o Prédio da Light para os paulistanos. No dia de sua abertura, era o edifício mais vistoso da região do Vale do Anhangabaú, até o surgimento do…
17. Edifício Martinelli – encomendado pelo empresário e imigrante italiano Giuseppe Martinelli, o prédio foi inaugurado em 1929, com 12 andares. Só que não estava pronto. Quer dizer, estava, mas não aponto de ser o maior edifício da América Latina, algo que passou a ser imediatamente corrigido com a retomada das obras. Assim, o Martinelli foi reinaugurado em 1934, com gloriosos 30 andares e 105 metros de altura, o que lhe rendeu, finalmente, o título de maior arranha-céu latino-americano, mantido até 1947.
18. Espaço para os homossexuais – entre todos os anos 1930 e boa parte dos 1940, o Vale do Anhangabaú tornou-se um ponto de socialização para a comunidade homossexual da época. Um espaço de expressão em um período marcado pela repressão crescente.
19. O Novo Viaduto do Chá – com o crescimento acelerado da cidade e o tráfego de pessoas aumentando a cada dia, chegou-se à conclusão que a forma original do Viaduto do Chá (em metal e madeira) não comportaria o movimento. Assim, em 18 de abril de 1938 foi entregue o novo viaduto, feito em concreto armado e com o dobro de largura. Para não comprometer a movimentação no Centro, o viaduto antigo só foi desmontado após a implementação do novo.
20. Edifício Matarazzo – idos de 1934, as Indústrias Reunidas F Matarazzo abriram um concurso para definir o melhor projeto para sua nova sede. Uma obra que não deveria nem parecer “demasiado antiga,” nem que se destacasse pela“excentricidade de seu modernismo.” Em um momento daqueles que nos faz pensar“ah-rá, tudo se encaixa!”, o projeto vencedor partiu justamente do Escritório Ramos de Azevedo, Severo & Villares. Inaugurado em 1939, o Edifício Matarazzo também atende pelos nomes de “Banespinha,” por já ter sido sede do ex-banco,“Prefeitura de São Paulo,” que abriga desde 2004, e “Palácio do Anhangabaú,”por sua imponência.
21. A reurbanização – no fim da década de 1930, o Parque do Anhangabaú foi desfeito,dando lugar a uma via expressa. Era um sinal claro da predominância do automóvel sobre o ser humano no espaço público, que predominou em São Paulo por décadas.
22. O Buraco do Adhemar – em 1951, com a construção do que ficaria conhecido como Buraco do Adhemar, o cruzamento entre as avenidas Anhangabaú e a São João passou a ter um desnível para comportar o maior fluxo de carros. O apelido popular é uma “homenagem” ao governador de São Paulo à época, Adhemar de Barros. Curiosamente, a obra foi da prefeitura…
23. A volta do parque – depois de mais de 40 anos dedicados ao carro, no início da década de 1980, o Vale volta a focar nas pessoas. Os urbanistas Jorge Wilheim e Rosa Grena Kliass venceram um concurso público, aberto pela prefeitura, para revitalizar o Anhangabaú. O projeto vencedor apresentava uma laje sobre as avenidas já existentes na região, alta o bastante para conectar os dois lados do Vale, deixando os automóveis circulando sob a laje e trazendo de volta a área verde entre os viadutos do Chá e Santa Ifigênia. A ideia era recuperar a visão do Vale do Anhangabaú como um grande bulevar, sua função original.
24. Diretas Já – o movimento Diretas Já dispensa apresentações, mas a importância do Vale do Anhangabaú nesse momento histórico merece ser destacada.No dia 16 de abril de 1984, mais de um milhão de pessoas se reuniram no Vale para exigir a volta da democracia, na maior manifestação política já vista em São Paulo, até então.
25. É Tetraaaaa – Durante a Copa do Mundo de 1994, o Vale juntou milhares de pessoas para acompanhar os jogos do mundial, por meio de telões instalados por duas grandes redes de TV. Em 17 de junho, geral estava reunida no Anhangabaú para acompanhar a abertura da Copa e torcer pela Bolívia contra a Alemanha. Não funcionou: Alemanha 1 x 0 Bolívia. Ainda bem que, na final, a torcida deu maisque certo.
26. Possante do futuro – No mesmo 1994, o público do Centro se deparou com o carro do futuro. Uma ação da importadora da família de um recém-falecido Ayrton Senna botou em exposição um carro conceito de uma grande montadora alemã em pleno Vale do Anhangabaú, atraindo a atenção do povo e da mídia.
27. Cobertura de laranja – em 1999, produtores de laranja do interior de São Paulo protestaram contra o baixo preço do produto, espalhando algo em torno de 400 toneladas da fruta pelo Vale do Anhangabaú. Muita, mas muita gente voltou para casa com laranjas grátis naquele dia.
28.Comércio ambulante – Em mais um sinal do maior foco nas pessoas, no início dos anos 2000, o Vale foi ocupado por vendedores ambulantes que ofereciam à população produtos de todo o Brasil e do mundo, bom, mais da China. Em 2006, os camelôs, como eram mais conhecidos, puderam testemunhar um…
29. Desfile fashion – a 19º edição da Casa de Criadores realizou um desfile de moda, aberto ao público, em pleno Vale do Anhangabaú, com apresentações de estilistas como Deoclys Bezerra e de Raphael Volk e Augusto Coutinho. Muita gente teve seu primeiro contato com o mundo da moda nesse evento.
30. Invasão zumbi – a Zombie Walk SP começou no vão livre do MASP, em 2006, mas ganhou a popularidade de evento anual quando os mortos-vivos transferiram seurolê para o Centro, terminando numa apoteose de sangue falso no Anhangabaú.
31. SP 459 – em 25 de janeiro de 2013, o Anhangabaú viu uma de suas maiores festas. Uma série de shows gratuitos – de fazer inveja a muito festival por aí– comemorou o 459º aniversário de São Paulo em grande estilo. Sente esse lineup: Zélia Duncan, Crioulo e Emicida, Arnaldo Antunes e Rita Lee.
32. Virou passeio – na Copa do Mundo do Brasil, o Vale foi, mais uma vez, palco da aglomeração da torcida para assistir ao mundial. Desta vez, sob o selo de Fan Fest oficial, com direito a atrações paralelas e shows de nomes como Turmado Pagode, Titãs e Claudia Leitte. O evento atraiu públicos de 30 a 35 mil pessoas, inclusive em certo jogo, com certo placar…
33. Espaço de representação LGBTQIA+ – Mais ou menos 80 anos depois de ser um ponto de socialização dos homossexuais, o Anhangabaú retoma sua tradição libertária nos anos 2010. Durante a década, o Vale abrigou diversos eventos que deram visibilidade à comunidade LGBTQIA+. Em 2016, a 20ª edição da tradicional Feira Cultural LGBT – ação paralela à Parada – levou 40 tendas com moda,gastronomia, oficinas e performances de artistas para o Vale, atraindo um público de 10 mil pessoas.
34. A nova reurbanização – Em junho de 2019, tiveram início as obras de reurbanização do Vale. O projeto do renomado escritório do dinamarquês Jan Gehl tem o claro objetivo de elevar o Anhangabaú para além de um simples ponto de passagem, o transformando num espaço de permanência. Essa ideia leva ao…
35. Novo Anhangabaú – daqui uns anos,alguém estará contando a história do Vale da Gente e vai falar sobre o Novo Anhangabaú. Mostrando como, no finalzinho de 2021, a região se transformava novamente, trazendo de volta um espaço para todos, como idealizaram os urbanistas originais, lá se vai mais de um século. Destacando como as atividades socioculturais uniram gente de todos os cantos, de todas as “demografias”, de todas as bolhas, como as antigas rodas em torno da fogueira. Essa é uma história que, a partir de agora, escreveremos juntos.